28 de fevereiro de 2009

Minha contribuição ao protesto contra a Folha: um livro

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Deu trabalho, mas valeu a pena. Escaneei o livro do meu pai, José Barbosa do Rosário, intitulado Quando a policia mata, no qual ele narra seu sofrimento e da família por ocasião da tortura e morte de seu irmão, Francisco do Rosário Barbosa.

Para a família do meu pai, o regime militar, mesmo após a "abertura política", ou seja, em 1981, não foi nada "branda". O fato traumatizou profundamente todos os Barbosa. Os editores da Folha têm irmãos? Imagine descobrir que o mesmo foi barbaramente torturado, mutilado, e assassinado por aqueles que recebem salários para, supostamente, nos proteger? Não foi fácil.

Tem mais. Apesar do meu pai ser um jornalista, e ter denunciado o crime na tv e nos jornais (era 1981, e o regime havia se distendido), a morte de Francisco do Rosário Barbosa não figura na lista dos mortos e desaparecidos políticos. Porque Francisco não era um político. Não fazia parte de partido, organização ou qualquer coisa parecida. Foi torturado e morto quase que gratuitamente. Leia e entenda.

O livro tem 90 páginas, com letras grandes e, portanto, pode ser lido em poucas horas. Traz um belo e pungente prefácio do grande Raymundo Faoro, e meu pai, falecido precocemente de câncer em 1999, escrevia muitíssimo bem, num estilo seco e límpido, a la Graciliano.

Para ler o livro, você pode simplesmente clicar no link abaixo, ou clicar com o botão da direita do mouse sobre o link abaixo e escolher a opção Salvar Link Como e fazer um download. O arquivo pdf tem 27,3 Megabytes.

Quando a polícia mata, de José Barbosa do Rosário.

27 de fevereiro de 2009

A manifestação em SP, a comunicação universal e os milhões de mortos da ditadura

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Aleijadinho: Anjo do Getsêmani, Santuário do Bom Jesus de Matosinhos


O maior acontecimento político dos últimos meses, para o universo contra-informativo em que atuamos, é, sem dúvida, a manifestação organizada pelo Movimento dos Sem Mídia em frente ao jornal Folha de Sâo Paulo, em protesto contra 1) o uso da expressão "ditabranda" para qualificar o terrível regime militar vivido pelo Brasil de 1964 a 1984 e 2) a agressão estúpida da redação do jornal aos professores Maria Benevides e Fabio Comparato. Se você mora em São Paulo ou adjacências, compareça. Ou pelo menos se informe melhor do que está acontecendo, através do blog Cidadania. Cineastas! Estejam presentes à manifestação! E façam um filme sobre a história do MSM!

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Tenho, contudo, outros assuntos a tratar. Estou me formando na Faculdade de Comunicação Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Devo entregar, até o dia 10, minha monografia. O tema será a Estética da Comunicação. Usei uma vasta bibliografia, mas com foco na Crítica da Faculdade do Juízo, de Immanuel Kant. Conto isto aqui porque acredito que o material por mim apurado, e linha de raciocínio que seguirei, diz respeito ao futuro da imprensa. Minha tese é de que a imprensa tradicional poderá muito bem sobreviver às intempéries tecnológicas, desde que tenha coragem de assumir o seu destino, que é dar um salto de qualidade e incorporar preocupações intelectuais superiores: artísticas, políticas e filosóficas, e deixar pra trás seu passado de pasquim cafona da direita. Não quero dizer com isso que a imprensa deve se tornar um grande caderno Mais!, aquele amontoado insuportável e cacete de lugares-comuns acadêmicos da Folha. Não falo de academicismos, ou de elitizar o texto. Ao contrário, falo de conferir valor ensaístico às reportagens, valor plástico às fotografias, valor literário a todo texto publicado, além de procurar estabelecer uma interação dinâmica e democrática com seus leitores - bem diferente da irritante mania de publicar só cartinhas "convenientes" à linha editorial. E nunca, claro, insultar seus próprios leitores da maneira grosseira como se fez com os professores que reclamaram do uso do termo "ditabranda" pela Folha de São Paulo.

Kant fala sobre a "comunicação universal", que somente a arte teria condições de fornecer. Minha tese é de que toda comunicação é uma forma de arte, incluindo a comunicação da imprensa de papel. O tamanho, o tipo, o corpo das fontes. As fotos e gráficos. O texto. Tudo deve ser (ou deveria ser) concebido segundo uma inteligência estética. Estetizando a imprensa, com inteligência e sentimento, poder-se-ia escapar das inevitáveis e cansativas interferências ideológicas sobre a redação, que só prejudicam a qualidade e a atratividade dos textos. Por outro lado, o debate político e ideológico poderia acontecer na imprensa de uma forma muito mais transparente e livre. Todos se interessariam em acompanhar os esgrimas literários entre escritores de credos distintos.

Por fim, uma imprensa de melhor qualidade artística serviria para libertar a literatura brasileira da gaiolinha de ouro em que se meteu, com suas panelinhas e festinhas e concursos manjados. Dando espaço para escritores exporem seus talentos (e pagando-os muito bem), como fizeram Machado de Assis e Lima Barreto, a literatura ganharia em densidade estética e política, tornando-se mais interessante e mais conectada à vida nacional. Sei que há escritores participando da imprensa, mas são poucos e são sempre os mesmos. Não há renovação, não há contestação, não há liberdade. Os textos literários que a imprensa publica podem todos ser lidos no Rotary Club de São Paulo. Conheço alguns escritores que sofrem terrivelmente com isso porque recebem quantias apenas simbólicas (quando recebem) pela colaboração e qualquer texto que exale um pouco mais de independência de espírito é vetado e o pagamento não é feito.

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Ontem eu li a Folha e fiquei estupefato com a ingenuidade, falta de acuidade científica e ausência total de sensibilidade antropológica de Fabio Comparato, que falou em "400 mortos" da ditadura militar. Sei que não é o momento de criticar o professor Comparato. Presto apoio integral a ele no caso da Folha, mas não posso me furtar a uma observação crítica. Esses 400 são apenas os mortos políticos oficiais, e os mais famosos. Dezenas de milhares foram mortos em todo país, fichados como delinquentes para evitar a conotação política, mas que, muitas vezes, não fizeram mais do que protestar contra um prefeito, um fazendeiro, um líder político qualquer. Isso é evidente, porque, se hoje, no Brasil, quando existem organizações de direitos humanos atuando, tanto no governo quanto na sociedade civil, imprensa livre, um Judiciário forte e independente, um Ministério Público, a polícia ainda mata milhares de pessoas por mês, imagina o que faziam nos anos de chumbo! Quantos trabalhadores rurais não foram mortos por capangas de fazendeiros, sem que nenhuma investigação fosse realizada, visto que a imprensa não repercutia e a sociedade se calava, com medo? Quer dizer que um trabalhador morto por um fazendeiro reacionário, em plena ditadura, não é também uma vítima da mesma? Essa contabilidade, portanto, é tremendamente preconceituosa e elitista. Como se apenas os garotos de classe média que morreram nas prisões do Doi-Codi devessem ser chorados pela opinião pública. A esquerda, às vezes, é insuportavelmente ingênua; neste caso, é quase uma estupidez, que agride ainda mais a inteligência por vir de um senhor covardemente atacado pela Folha de São Paulo e, por isso, imerso no centro da luta ideológica que ora se arma entre a direita, representada pela mídia e seus pitbulls, e a blogosfera.

Não, professor, não foram 400 mortos. Foram 400 mil mortos. Foram milhões de mortos, pois cada pessoa morta entre 1964 e 1984 era, de uma forma ou outra, uma vítima da violência da ditadura. Nem que fosse a violência peculiar de morrer sabendo que seus filhos e netos estariam vulneráveis à sanha assassina dos militares e dos milhares de empresários, jornalistas e fazendeiros que os apoiavam.

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Como eu disse: meu tio, Francisco do Rosário Barbosa, torturado e morto em 1981, não está na lista de 380 nomes de mortos e desaparecidos da ONG. Ele não era classe média, nem intelectual. Apenas um roceiro de Araguari tentando fazer a vida no Rio de Janeiro. Quantos Franciscos não contabilizados não existem pelo Brasil?

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Por fim, conclamo a todos a entrarem no blog do Marcelo Coelho e darem sua opinião sobre as palhaçadas que ele diz.

EUA têm programa Fome Zero desde a II Guerra

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Como é difícil se informar bem! Gostaria de saber porque a mídia brasileira nunca fez a gentileza de nos contar isto, que seria importante para seus leitores compreenderem que governos do primeiro mundo tem programas de ajuda social muito mais abrangentes e antigos que o Bolsa Família. Veja esta notícia, publicada no El Clarín e traduzida pelo Vermelho. O governo americano patrocina, desde a II Guerra, um programa de subsídio à alimentação para pessoas muito pobres. Antes eram cupons e agora o programa é feito através de um cartão eletrônico que os participantes podem usar para comprar comida em supermercados. O Globo tem correspondentes nos EUA, tem recursos para realizar reportagens, mas eu tive que esperar, por seis anos, que um jornal argentino publicasse a noticia e um site brasileiro a reproduzisse, para ter conhecimento de uma notícia que, se não me surpreende, serve para tampar o caixão dos imbecis que ainda criticam o Bolsa Família.


25 DE FEVEREIRO DE 2009 - 20h04

'Fome Zero made in USA' dá US$ 6 por dia para 31 milhões

Uma notícia no diário argentino Clarín conta como vivem os 31 milhões de cidadãos americanos que recebem cupons de alimentação para viver. Um jornalista da Louisiana (o estado mais pobre do país) faz a experiência, tentando viver com US$ 6 (R$ 14) por dia. O plano de socorro de Barack Obama amplia em 13% os gastos com esses cupons, na previsão de que a crise e o desemprego aumentarão sua clientela. Veja a íntegra.


Refeitório para americanos carentes: público crescente

É o lado obscuro da vida em um dos países mais do mundo. Nos Estados Unidos, quem depende dos cupons de alimentação oferecidos pelo "Papai Estado" não recebe mais que um punhado de dólares. Mas a maior crise económica das últimas décadas faz o número necessitados aumentar rapidamente. Nunca houve tantos americanos vivendo desses cupons. E a tendência é aumentar.

Jornalista conta experiência em site

A lista de alimentos Sean Callebs assemelha-se à de uma dieta para emagracer. "Uma porção de cereal, uma banana, uma xícara de chá.. e faltam quatro longas horas até almoço", ele lamenta.

Em uma experiência que tem tido grande impacto sobre a audiência, este jornalista da CNN resolveu experimentar na própria carne como se pode viver de cupons de alimentação. Ou não. Suas experiências são relatadas em um blog.

Faz um mês que ele tenta viver gastando até US$ 6 por dia. Já chegou quase no fim. Mas este repórter da Louisiana queixara-se em seu blog de permanentes ataques da fome. Poucas vezes você pode comprar frutas e legumes frescos, conta.

Fome à americana

Embora provisoriamente, Callebs experimenta a sina de um em cada dez americanos. Em setembro passado, 31 milhões de pessoas no país compravam alimentos com os cupons.

"Eles são os números mais elevados de todos os tempos", disse Ellen Vollinger, diretor de Frac, uma organização de Washington de pressão contra a fome.

"Muitos americanos já não sabem onde arrumarão sua próxima refeição", destaca ela. O aumento do desemprego faz com que a procura de cupons aumente constantemente, mas as carências não terminam aí: cada vez mais pessoas, mesmo tendo um emprego, dependem dos "Food Stamps".

Muita gente tem até mais de um emprego, mas a renda não basta. "Muitas famílias pulam refeições para pagar o aluguel", disse Ellen. "Pais deixam de comer para que fique alguma coisa para os filhos e às vezes até crianças passam fome, nos Estados Unidos. É uma vergonha."

O estigma do cupom

Os cupons de alimentação começaram a ser distribuídos durante a 2ª Guerra Mundial. Hoje, o governo já não distribui cupons papel, mas por meio de um cartão eletrônico, que fornece em média US$ 100 por pessoa.

Desde 2008, o Ministério da Agricultura evita usar o termo cupom de alimentação. O título oficial agoora é "Programa de ajuda para suplementar a nutrição".

Mas o plano ainda tem um estigma. "Aqueles que precisam muitas vezes se recusam a pedir ajuda", diz a agente social Srindhi Vijaykumar, da organização DC Hunger Solutions, que promove os cupons nas ruas de Washington. É especialmente difícil chegar até os aposentados, imigrantes e famílias operárias, diz ela.

Quem usa os cupons é confrontado com algumas dificuldades no supermercado. O carentes têm em média US$ 3 por dia para fazer compras. Por isso muitas vezes são obrigados a fazer cortar alimentos.

"As pessoas só compram o que é barato, não é perecível e enche a barriga", diz Vijaykumar. O crédito mensal normalmente é consumido em duas ou três semanas. "Muitas famílias vão então para os sopões", disse Ellen Vollinger.

Obama aumenta verba do programa

Não poucos depositam as suas esperanças no novo governo de Barack Obama. O plano de socorro económico de US$ 787 bilhões, lançado na semana passada pelo chefe da Casa Branca, permitirá um aumento de 13% na verba para os cupons de alimentação.

No entanto, Ellen estima que a fome vai aumentar nos EUA. "Esta recessão certamente não será breve."

A crise também atingiu duramente a classe média. De acordo com dados do Departamento do Comércio, o seu consumo caiu novamente em dezembro, pelo sexto mês consecutivo, enquanto a taxa de poupança subiu 2,9% no fim de 2008.

Annie Moncada, 63 anos, confessa que comprava coisas "desnecessárias". Mas agora seu cupom está guardado. "Agora eu ponho na panela mais carne moída e menos bifes e também economizo mais eletricidade", diz. Tal como ela, milhares de famílias cortam gastos, passeios, idas a restaurantes ou ao cabeleireiro. O fim da crise parece longe.

Fonte: Clarín; intertítulos do Vermelho


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Ilustração: Luis Fernando Noe, pintor argentino

26 de fevereiro de 2009

O lado humanista dos conservadores

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Conhecer o professor Hariovaldo (entre aqui para entrar no blog do mestre) foi uma experiência revolucionária para meu espírito outrora conturbado. Vejo agora o mundo com as lentes da verdade. Por exemplo, achava eu que os paulistas, mais especificamente a elevada categoria social que lê, assina e envia cartinhas para o jornal Estado de São Paulo, eram egoístas e desinteressados pela sorte daqueles que não foram brindados, por Deus, com uma boa e confortável fortuna. Como pude ser tão injusto! Lendo as cartas de hoje de inúmeros paulistanos preocupados com a sorte dos pugilistas cubanos que foram barbaramente deportados pelo governo bolchevique do Brasil, num avião fretado, provavelmente com dinheiro e combustível do satanás venezuelano, de volta para o gulag onde vivem, a saber, Cuba, dei-me conta de quanto eles são humanos! De forma geral, podemos encontrar as mesmas virtudes em todos os brasileiros conservadores (ou seja, maduros, éticos, cultos, inteligentes). Mas fiquemos nos paulistanos.

Morando numa cidade onde todas as suas crianças, adolescentes e jovens recebem do Estado um tratamento digno, com regalias apenas comparáveis aos países mais desenvolvidos do norte europeu (na verdade, o Estado até exagera, as escolas municipais de SP dão excesso de comida aos garotos, que não precisariam de tanta coisa, visto que não foram acostumados com fartura), os paulistanos encontram-se em pé-de-guerra contra a ditadura lulista que, num gesto de loucura totalitária, pôs os dois cubanos, que haviam fugido do PAN, num avião de volta para a casa! Dizem eles - os barbudinhos do governo - que os tais atletas pediram para voltar. Alegam até que um representante da OAB conversou com eles em particular e que este teria confirmado que, de fato, os cubanos queriam retornar para a maldita ilha.

Ora! O comissário Tarso Genro, se tivesse um pingo de bom senso, contrataria, em primeiro lugar, um batalhão de psicólogos e cientistas políticos para persuadir os atletas a permanecerem em solo nacional. Não dando certo, deveria apelar para sessões de hipnose, durante as quais seria mostrado aos ingênuos boxeadores a medida de sua loucura em querer pisar novamente o solo vermelho onde pululam os maiores demônios do comunismo internacional. Em último caso, Genro poderia pedir auxílio a especialistas da base de Guantánamo para lhe ajudar a convencer os rapazes.

Estou profundamente tocado, portanto, com o interesse humanista dos paulistanos pelos dois cubanos. Consta que eles escaparam novamente de Cuba. Isso prova que o comissário Tarso Genro mentiu! O representante da OAB também mentiu! É sabido que os comunistas também já se infiltraram na OAB, assim como vêm, insidiosamente, penetrando nos mais diversos segmentos da sociedade brasileira.

Partilhando da preocupação dos paulistanos, resolvi abrir uma conta-poupança no Itaú-Unibanco (esse sim um banco de homens de bem, com juros e spread altos, como deveria ser em toda parte e, portanto, para o qual tenho prazer em dar meu dinheiro), onde todos esses honrados cidadãos poderão depositar uma quantia para que possamos salvaguardar o futuro desses dois heróis, que fugiram de uma competição realizada no Brasil. Eles foram duplamente corajosos: primeiro porque resolveram abandonar a ilha do inferno; segundo porque escolheram fazê-lo no Brasil, onde reina um proto-comunismo, mal disfarçado de democracia, visto que o presidente é um sindicalista com notórias conexões com o Foro de São Paulo.

Quem estiver interessado em ajudar os cubanos, entre em contato, que enviarei o número da conta, que será gerenciada por mim mesmo. Assim que eu conseguir contatá-los, poderei transferir o dinheiro para eles. Uma parte da verba - essa foi uma idéia de um velho amigo meu, Paulo Maluf - será usada na construção de um monumento anticomunista no meio da Avenida Paulista. Devemos bancar esse monumento com dinheiro privado e não com recursos estatais, visto que o comunismo é que depende do Estado. O capitalismo nunca depende do Estado. É livre! É independente! Esses trilhões que os governos dos EUA e Europa estão dando para bancos privados não significam nada! Não podemos dar atenção ao que a grande mídia comunista diz.

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Por fim, quero lhes mostrar o seguinte gráfico, que eu recolhi no site da Embraer, uma empresa que conseguimos, com ajuda de Deus, tirar das mãos comunistas do Estado, ao privatizá-la em 1994. Durante o governo do Apedeuta, a companhia ampliou de forma irresponsável o seu quadro de funcionários, de 12,2 mil para 23,50 mil. Por influência dos barbudinhos, estava quase se tornando novamente uma estatal! Um cabide de emprego! Fez muito bem em demitir 4 mil empregados. Devia demitir mais! Devia demitir todo mundo! E depois recontratar somente o estritamente necessário, através de cooperativas, ou seja, deveria terceirizar a sua mão-de-obra, como faz qualquer empresa do capitalismo avançado! Como tentamos fazer em toda parte nos áureos tempos de governo do Príncipe FHC! Pagando salários baixos, claro, para que o dinheiro fique na mão de quem merece, dos sócios, dos donos, da elite! Quando a sociedade vai entender que não se pode dar dinheiro ao povo? O Brasil só terá uma elite moderna quando interromper totalmente qualquer auxílio ao povaréu ignorante! O Estado, por isso mesmo, deve investir num exército poderoso e aprovar leis rígidas de segurança nacional para permitir a eliminação sistemática de qualquer liderança subversiva! Incluo entre as lideranças todos esses blogueiros comunistas, terroristas, esse grupo infecto do qual já fiz parte mas que, graças a Deus, abandonei a tempo.


Gráfico do quadro de empregados da Embraer



Fonte: Embraer.

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Na ilustração, a linda atriz Scarlet Johanson, bela manceba que, espero eu, não caia mais nas garras de algum barbudinho, como Woody Allen.

A pintura é de Luis Felipe Noe, que deve ser esquerdinha também, mas que publico aqui para vocês observarem a decadência da pintura contemporânea.

Dylan

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Fuçando uma gaveta cheia de discos, encontrei um que me chamou a atenção. Curioso, pedi informações ao Barbosinha. Lacônico como o eterno sertanejo que era, ele respondeu que era rock e que eu ia gostar. Levei para o Rio e botei na vitrola. Nos próximos meses, eu iria escutar aquele disco todos os dias antes de ir para a escola. Era Nashville Skyline, de Bob Dylan. A música que eu mais gostava, era Girl From North Country, cantada em parceria com Jonnhy Cash. Eis que agora encontro esta gravação no youtube, mostrada acima.

DaMatta e a lição de sabedoria

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(Sophia Loren, distraidamente espiando alguma coisa em sua companheira de mesa, Jayne Mansfield, talvez pensando em encontrar ali a sabedoria da qual fala DaMatta)

MEA CULPA! MEA CULPA! MEA CULPA! Andei falando mal do grande Roberto DaMatta. Mau sapão! Mau sapão! Como pude ser tão arrogante! Hoje, em sua coluna para o jornal O Globo, o genial daMatta publica uma notinha que desmente, categoricamente, minhas acusações de que ele seria uma "farsa antropológica". Leiam a notinha:

"Papai, porque existe segunda-feira?", perguntou-me minha filhinha Maria Celeste, cujo sono pesado tornava o acordar cedo para ir à escola um pesadelo. "Porque existe domingo!", respondi no ato, repetindo uma lição de sabedoria que estava dentro de mim.


Não, não se trata de ironia, ou de um texto descontextualizado. É uma notinha solta, entre asteriscos, no meio da coluna. Mas que brilhantismo! Imaginem as diversas formas com que podemos interpretar essas palavras profundas! De cada sílaba - que digo? de cada letra de seu texto escorre a essência de um conhecimento aguçadíssimo da realidade social e humana das civilizações modernas, passadas e futuras!

O que mais me surpreende é que DaMatta, toda semana, emite conceitos do mesmo grau de sofisticação. Como ele consegue? Eu fico quebrando a cabeça para compreender a economia, a política, a arte, a cultura, para quê? Sempre me esqueço que temos homens da ordem intelectual de um DaMatta, que aprendeu grandes coisas em universidades americanas, conforme se depreende da notinha hoje publicada, e, portanto, a sociedade não precisa de indivíduos confusos e prolixos como eu.

Reparem que riqueza linguística: "uma lição de sabedoria que estava dentro de mim". Uau!

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Entretanto, o que mais me chamou a atenção nesta quarta-feira de cinzas, foi a inteligência do insubstituível Ricardo Noblat, cujas antenas poderosíssimas não deixam nenhum fato relevante passar despercebido.

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E já que estamos com ótimo humor, recomendo fortemente esse post do professor, onde ele mostra, com magnífica sabedoria, quão equivocado eu tenho sido ao defender um governo bolchevique e usurpador como o é do Inominável Apedeuta.

25 de fevereiro de 2009

Quem sabe faz a hora (Manifestação anti-Folha dia 07/03 em SP)

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Como vocês sabem, a Folha publicou um editorial em que chama a ditadura de "ditabranda". Muitos protestaram e o jornal, não satisfeito com sua agressão à história brasileira, ainda foi mais grosseiro: insultou publicamente dois professores, Fábio Comparato e Maria Benevides. Por mil motivos, que já expliquei em outros posts, essa manifestação é muito importante. Está marcada para o sábado, dia 7 de março, às 10 horas da manhã, em frente à sede do jornal Folha de São Paulo, na Alameda Barão de Limeira 425, São Paulo (ver mapa ao fim do post).

Quem estiver em São Paulo, ou puder viajar para lá, compareça e participe. Mais informações no blog Cidadania. Tenho certeza que ela tem uma função mais do que política - tem uma função histórica.



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Carnaval nos jardins da Babilônia

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(foto da porta-estandarte do bloco Boitolo)



Nada é perfeito, disse o turista que, tendo juntado dinheiro por anos para visitar o Corcovado, não pôde ver nada por causa do mau tempo. Digo isso porque nesta terça-feira, final de tarde, estreiou um dos blocos mais charmosos do carnaval carioca, o bloco da Orquestra Imperial. A banda, com instrumentistas de primeiríssima categoria, conseguiu fugir das marchinhas mais óbvias e tocou mpb, rock, funk, conferindo um swing próprio a todas as músicas. Tudo enquadrado na belíssima vista da baía de Guanabara, Pão de Açúcar ao fundo, sob as palmeiras imperiais do jardim projetado por Burle Marx, a dois passos do Museu de Arte Moderna.

Aí aconteceu um pequeno problema. Como a área, embora próxima ao centro, fica fora do fluxo urbano, e como a informação sobre o bloco se manteve bastante restrita (elitizada, como alguns anônimos gostam de dizer), os camelôs não ficaram sabendo que centenas de jovens sedentos estariam concentrados no local. Resultado, os raros vendedores viram seus estoques esgotarem em segundos.

Então eu saí para "uma caçada" à cerveja. Vi um vendedor pedalando a sua bicicleta na minha direção e corri para ele. Outros tiveram a mesma idéia e logo dezenas de outros sedentos corriam, desesperados, no mesmo sentido. O vendedor se viu cercado de fregueses ansiosos. Iniciou-se uma guerrinha psicológica em que o tom de voz, as palavras certas, o abanar de notas já trocadas, eram armas de convencimento para o vendedor atender um ou outro em primeiro lugar. Consegui comprar as três últimas latinhas e voltei ao ponto de onde viera.

Mas tenho confiança no meu povo. A notícia naturalmente se espalhou e chegaram mais vendedores, e a galera percebeu de onde eles vinham. Eles eram abordados - e inteiramente saqueados - assim que atravessavam a passarela do aterro.

Houve uma hora em que eu fiquei meio triste porque minha cerveja havia terminado, até que encontrei, por acaso, uma latinha no meu bolso! E gelada! É que eu havia comprado quatro latinhas e me esquecera disso. Enfim, a festa prosseguiu, animada, tranquila, belas mancebas, inteligentes, cultas, atraentes, dançando sobre o gramado verde e sob o céu azul. Tudo isso pela bagatela de dois reais a latinha.

Exercício para uma crônica de carnaval n.2

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Um rapaz caminha sozinho pelas ruas de paralelepípedo de Bom Jardim. Carnaval, anos 90, eu passava o feriado no sítio dos meus pais nas imediações de Nova Friburgo. O sítio, situado num vale, chamava-se Sítio do Sereno; tinha um hectare e meio, uma casa velha e sólida com três quartos; o Rio Bengala passava ao fundo. Meu pai adorava aquele sítio, onde podia descansar nas férias e nos finais de semana, fazer churrasco, beber uísque o dia inteiro e curtir sauna peladão.

No Carnaval, eu pegava um ônibus e ia para Bom Jardim, onde havia sempre uma festa organizada pela prefeitura, com trio elétrico e centenas de barraquinhas. Os homens se fantasiavam de "piranha" e as garotas desfilavam em roupas sensuais. Eu começava, como sempre, bebendo latinhas de cerveja e, a certa hora, quando via que era chegado o momento de passar para outra dimensão, pedia um copo de conhaque. A partir dali, as memórias se apagavam. Foram muitos carnavais assim, solitários, melancólicos, loucos. Outros tantos carnavais passei com amigos em cidades como Visconde de Mauá, Sana, Búzios, Friburgo, Valença e Lençóis (Bahia).

Volto ao carnaval de Búzios, que passei com um grupo de quatro amigos: Felipe, Rodrigo, Rafael e Pedro, todos dormindo no mesmo quartinho de um alojamento-camping. Na época, eu era quase autista, por timidez, introversão ou por aquele grau de esquizofrenia do qual muitos jovens costumam sofrer em certas épocas. O fato de usarmos quantidades colossais de maconha e bebermos toneladas de cerveja, dentre otras cositas, seguramente não me ajudava a alcançar um satisfatório equilíbrio psicológico.

Nesse sentido, meus amigos pareciam todos mais fortes e mais sólidos. Dentre eles, o mais próximo era o Felipe, a pessoa mais honesta que já conheci. Os outros não me conheciam tão bem. Lembro que, antes de viajar, escolhera um livro à esmo em casa para levar para a viagem. Era de um autor chamado Sidney Sheldon, um best-seller bobinho. Havia um rapaz, Pedro, alguns anos mais velho, que me subestimava muito. Ele era alto, louro, tinha uma postura arrogante, e de vez em quando me chamava de "caboclo", o que era uma derrisão até meio racista. Encontrando o tal livro no quarto, e descobrindo que me pertencia, declarou que "só podia ser do Miguel".

Pedro também era faixa preta de judô. Eu já estava irritado com o jeito pedante do cara. Até que uma noite, enquanto a gente bebia no quarto, eu disse que também estudara um pouco de judô, embora nunca tenha passado da faixa amarela. Então ele me chamou para lutar. Ah, que surpresa. Eu, mais baixo, mais magro e mais novo, com uma força certamente extraída da minha loucura, apliquei-lhe um golpe e o imobilizei por vários minutos, quase o sufocando, até que ele desistiu. Os outros ficaram muito empolgados com a luta, bateram palmas, gargalharam furiosamente, porque sabiam que o Pedro era medalhista, e conheciam seu lado orgulhoso, de forma que minha vitória havia sido, em todos os sentidos, surpreendente.

*

Seguem alguns vídeos do Cordão do Boitatá e do Boitolo, que é para ilustrar a recente crônica sobre o tema, que gerou alguma controvérsia.







24 de fevereiro de 2009

PHA e a obsessão por Miriam

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Eu, Paulo Henrique Amorim, e a torcida do Flamengo, temos uma obsessão pela Miriam PIG, rainha das rainhas do antilulismo pseudo-esclarecido da imprensa. Temos razão para isso. Miriam nos persegue. A gente liga a TV, lá está ela. Liga o rádio, ela de novo. Abre o jornal, ela mais uma vez. Entra na internet, mais Miriam. Ela não é uma jornalista, e sim um programa multimídia.

E sempre com o mesmo discurso catastrofista. Desde a posse de Lula, em 2003, Miriam Leitão destaca-se como uma das mais agressivas e combativas jornalistas de oposição ao governo. Até aí tudo bem, se a mesma não insistisse em jogar sujo, manipulando dados econômicos, omitindo outros, para vender um apocalipse que só terminará, naturalmente, com a vitória de José Serra em 2010.

O que me trouxe aqui, todavia, não é exatamente a Miriam Leitão, mas um post do Paulo Henrique Amorim, cujo site voltei a linkar no blog, intitulado Obama não é Lula, no qual ele informa que o secretário de imprensa da Casa Branca, Robert Gibbs, respondeu a um jornalista conservador, Rick Santelli, que havia atacado duramente, na TV fechada, o plano econômico do presidente. PHA cita o Huffington Post e acusa o governo Lula de não reagir às colunas de Miriam da mesma forma como fez o governo Obama, neste caso.

É interessante a matéria de PHA, mas está repleta de confusões. Primeiramente, PHA não faz uma contextualização fundamental. A grande imprensa americana apóia Obama. Fez campanha por Obama. Gosta do Obama. E o tal jornalista conservador está longe de ter o "prestígio" e "poder" de uma Miriam Leitão no Brasil. É um apresentador econômico histérico e popular somente nas rodinhas conservadoras, que são, todavia, extremamente numerosas e influentes nos EUA. Mesmo assim, a atitude do secretário de imprensa de Obama também causou muita controvérsia. Muitos acusaram o governo de "dar cartaz e visibilidade" a um jornalista medíocre, o que seria contra-producente. O próprio jornalista, e seus colegas, agora estão acusando o governo Obama (o que era previsível) de ameaçarem-nos. Ele disse que seus filhos "estão nervosos". Enfim, mesmo em circunstâncias onde possui apoio da maior parte da mídia, a resposta (embora ultra educada e bem-humorada) do governo Obama a um colunista não foi, exatamente, uma tacada de gênio e um gesto de bravura como quer fazer crer PHA. De maneira que uma atitude similar do governo do Brasil, onde a mídia é muito mais concentrada e agressiva, também seria, no mínimo, questionável.

Acho que o governo deve responder sim à imprensa. Mas não reativamente, e nunca de maneira que permita a imprensa ou jornalistas posarem de vítimas ou ameaçados. Seria um tiro no pé. O governo deve reagir tecnicamente, expondo dados, estatísticas, sem responder a nenhum jornalista ou editorial especificamente, e sim expondo a sua visão sobre os diversos assuntos abordados de forma geral pela imprensa. Deve praticar sim a luta política junto à opinião pública, usando os meios de comunicação de massa, que se tornam cada vez mais uma arena da qual as instituições políticas não podem fugir, sob o risco de verem seus projetos derrotados, uma hora ou outra. Os partidos políticos devem participar desta luta ideológica travada diariamente nas mídias convencionais e alternativas. Faz parte da estratégia, todavia, escolher muito bem que armas usar, em qual momento agir, e em qual alvos mirar. A imprensa tem passado a imagem que os governos são, em si, instâncias antidemocráticas, um conceito irracional. A imprensa brasileira procura monopolizar a bandeira da democracia, o que é um tanto ridículo em virtude de seu passado antidemocrático.

Sem o ônus do poder político, sem a obrigação de transparência, sem a necessidade de obter apoio popular, a imprensa participa da luta política vestindo trajes de vestal da ética e da democracia. Congresso, Senado, Executivo, Judiciário, são sempre suspeitos. São sempre perdulários. A situação chegou a um limite quase cômico no qual somente políticos que flagelam as próprias entidades para as quais devem lealdade merecem o louvor. Por isso a entrevista de Jarbas Vasconcelos foi tão incensada. Ele, afinal, não acusou ninguém, apenas fez uma acusação genérica e irresponsável, como é do agrado da imprensa, sempre ansiosa para se autopromover às custas da degradação de outras instituições. A imprensa não quer acusações sérias, específicas, porque sabe que estas não feririam somente os partidos aliados do governo, mas também (quiçá principalmente) os de oposição, ou mesmo os segmentos mais conservadores da base aliada - fortalecendo os aliados menos conservadores, visto que estes carregam um passado e uma história com muito mais transparência e honradez.

Link da matéria do PHA.
Link da matéria do Huffington Post.

23 de fevereiro de 2009

Exercício para uma crônica de carnaval número 1

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Tem gente que ainda não sabe, mas o carnaval do Rio mudou muito nos últimos anos. E pra melhor. Durante a década de 90, o carnaval do Rio dormiu profundamente. Existia somente no sambódromo. A festa havia migrado para as cidades vizinhas: Saquarema, Búzios, Nova Friburgo, Sana, o carnaval comia solto e louco por aí. Eu, como bom carioca, já passei carnavais em todas essas cidades. Insanas e inesquecíveis festas. Lembro de um carnaval em Búzios em que eu e uns amigos dividíamos um quartinho apertado de uma pensão. O dono da pensão não podia saber que éramos cinco dormindo espremidos, porque pagávamos apenas para três ocupantes. Para economizar, compramos várias caixas de cerveja no supermercado, e descobrimos que a geladeira da pensão, onde planejávamos gelar a bebida, não estava funcionando. A solução, para não passarmos o carnaval "de cara" foi beber... tudo quente mesmo! Incrível o que não se faz com dezessete anos. Bebemos umas quarenta long-necks quentes!

Pois bem, eram tempos em que todo mundo fugia do Rio. Hoje é o contrário. De uns dez anos pra cá, o Rio recebe gente de todo país e os blocos de rua renasceram com força total. A prefeitura reativou o carnaval da Avenida Rio Branco, por onde passam os ultra-tradicionais Cacique de Ramos e Bafo da Onça e monta palcos com shows na Lapa e Cinelândia. Este ano, não houve show nos Arcos da Lapa, mas em compensação, as dezenas de casas de show promoveram festas e pagodes. E muitos blocos pequenos surgiram nas imediações do Bairro de Fátima e Lapa.

Um dos blocos mais legais é o Boitatá, que parte às nove horas da manhã da rua do mercado, dá umas voltas pelo centro e termina na praça XV. É frequentado por universitários e belas jovens de toda cidade. A criatividade nas fantasias nos carnavais do Rio é espantosa. Impossível descrever os milhares de tipos que rondam a cidade. Preto velho, mamãe noel, peter pan, minnie, emília, melindrosa. Vi homens e mulheres fantasiados de pia de lavar, ônibus, presidiário, policial, empregadinha.

Enfim, creio que eu faria uma belíssima reportagem se tirasse muitas fotos e publicasse por aqui. Amanhã o farei.

No entanto, não sou tão carnavalesco assim. Musicalmente, acho o Carnaval um tanto enjoativo e, na verdade, passo a maior parte do tempo em casa, fazendo outras coisas. Mas se você não vai ao carnaval, ele vem até você. Qualquer voltinha inocente pela rua, e pimba! o carnaval te pega. No sábado, início de tarde, eu saí para dar um passeio de bicicleta e parei hipnotizado na Mem de Sá, com a quantidade de pessoas fantasiadas, dançando ao som de músicas que vinham dos bares. Era a multidão que refluía do super-bloco Cordão do Bola Preta, na Cinelândia, e vinha pra Lapa. Apareceu um trio elétrico - outro bloco, o Carioca da Gema, que empolgou a galera tocando Tim Maia e Jorge Benjor. Parei ali, tomei uns quatro ou cinco latinhas e dei risada com as fantasias esdrúxulas que passavam.

O melhor bloco de que tenho notícia é o Boi Tolo, filho bastardo do Boitatá. O nome vem dos foliões perdidos em busca do Boitatá, que até poucos anos atrás não tinha hora nem local certo, justamente para não atrair grandes multidões - como atrai agora. Daí surgiu o Boitolo. Neste domingo, encontramos o Boitolo por acaso, vindo pela Sete de Setembro, atravessando a Primeiro de Março e subindo as escadas do suntuoso Palácio Tirandes, sede da Assembléia Estadual. O som rolou primeiro nas escadas, depois subiu um pouco e rolou lá em cima. Depois a banda desceu e voltou pela Sete de Setembro, virou na Avenida Rio Branco, depois virou em outra rua e acabou sob os pórticos do histórico edifício Gustavo Capanema. Todo mundo dançando e cantando muito. A banda trazia, além da percussão básica, muitos instrumentos de sopro. Nada elétrico. Muito autêntico e divertido. Uma diversão totalmente gratuita.

E eu, como de praxe, tentava bater meu recorde pessoal de latinhas de cerveja. A certa hora, o pessoal começou a entoar entuasticamente o refrão: ÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔ / O Rio é melhor que Salvadôôôr / O Rio é melhor que Salvadôôôr / O Rio é melhor que Salvadôôôr /O Rio é melhor que Salvadôôôr /O Rio é melhor que Salvadôôôr /O Rio é melhor que Salvadôôôr. Suspeito que euforia com que as pessoas cantavam esse refrão sugere uma denúncia alegre mas enfática do carnaval elitizado e separatista de Salvador, onde as pessoas compram abadás de 400 reais (por dia) para permanecerem dentro de cordões de isolamento, usando uniforme idêntico, afora os camarotes ainda mais caros, de onde se pode assistir confortavelmente os trios elétricos. E, sobretudo, uma denúncia do empobrecimento musical do axé music, hoje um estilo absolutamente vendido, cafona e medíocre. Os foliões do Boitolo cantavam clássicos da MPB em ritmo de samba e marchinhas famosas, ressuscitando os inesquecíveis carnavais que a cidade viveu até os anos 60, quando o baixo astral da ditadura começou a prejudicar a festa.

Eu bebia agora devagar, para não vomitar. Gastei menos que 20 reais e não conseguia nem mais beber. Legítima diversão de rua, barata e democrática, como eu gosto. Como eu preciso. Depois uma turminha que encontrei nos convidou a ir ao Balanga Lafumenga, um bloco do Jardim Botânico. Pegamos um ônibus e fomos todos. Tirei uma soneca no caminho. Chegando, contudo, nos arrependemos de termos ido. Não é difícil agradar intelectualóides respirando arte, cinema e política - como a gente.

Aquele bloco, aquele bairro, era um ninho de playboys marombados e suas pirigetis (tenho assumido preconceito contra a zona sul carioca, foco de pitbulls enlouquecidos, prostitutas disfarçadas de moças de família, gabeiristas alienados e demais bichos escrotos), e estávamos cansados e com fome. Eu, como já contei, havia tomado mais de dez latinhas e a lombeira chegava, insidiosa e dominadora. Voltamos para o centro, onde moramos, e passamos o resto da tarde em nosso quarto-e-sala simples e aconchegante da rua do rezende. À noite, assisti um filme horroroso, intitulado Ataque dos Tubarões e fui dormir sentindo-me culpado por ter perdido meu preciso tempo com um enlatado americano tão ruim.

*

A moça na foto é a Monica Bellucci novinha, e não tem nenhuma relação com a crônica, mas é uma imagem tão bonita que não resisti, e tasquei mesmo assim.

Um osso preso na garganta (e chamada para manifestação em SP)

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Ainda não engoli a respostinha que os editores da Folha deram aos professores Fabio Comparato e Maria Benevides. Eles os acusaram de cínicos e mentirosos por nunca terem denunciado a ditadura cubana. Sem considerar a abominável e covarde grosseria (anônima, ainda por cima) praticada por um jornal cuja tiragem chega 300 mil exemplares, eu fico pensando de onde vieram esses editores, que não sabem que a democracia cubana não foi derrubada por Fidel Castro, mas por Fulgêncio Batista, num movimento patrocinado pelos Estados Unidos.

Queria saber também de que maneira os cubanos poderiam acreditar em democracia se todas as democracias latino-americanas estavam sendo derrubadas por golpes de Estado comprovadamente patrocinados pelos Estados Unidos, em conluio com as elites reacionárias de cada país. Em 1975, já nenhum país latino-americano podia escolher livremente seus governantes e a esquerda era perseguida de maneira implacável e homicida. Os editores da Folha acham que os cubanos, mesmo assim, deveriam acreditar no regime democrático? Alguém acha que se os cubanos elegessem um presidente de esquerda, Cuba, situada a 200 kg dos EUA, seria o único país ao sul do Rio Grande, a não sofrer um golpe militar direitista? Lembrando o saudoso Bussunda: fala sério!

Olha que estou me referindo apenas à resposta desrespeitosa e ignorante dos editores, e não ao infame eufemismo anti-histórico de matéria publicada no dia anterior, chamando a ditadura brasileira de "ditabranda". Aliás, a comparação dos regimes militares latino-americanos, com seus expurgos em massa de intelectuais, artistas, cientistas e dirigentes sindicais, a prática sistemática de tortura, assassinato, censura dos meios de comunicação, anulação dos direitos civis, coibição dos partidos políticos, extinção de qualquer forma de eleição direta, a comparação desses regimes com os governos democráticos de Venezuela e Bolívia, é absolutamente ridícula, e, não apenas ofende a inteligência do cidadão, como constitui uma desinformação tão grave, tão nociva ao entendimento do significado histórico dos regimes militares, e do significado de democracia, que deveria ser combatida severamente pela intelectualidade brasileira - embora eu suspeite que o grau de desmoralização dos setores mais reacionários da imprensa é tão grande que a opção por um desprezo silencioso é perfeitamente válida.

A história de um povo, sobretudo a história recente, permanece na cultura deste, de forma viva, dialética, vibrante. O aspecto dialético refere-se às lutas no interior dos conceitos; a luta entre significantes e significados que dá vida e sentido aos conceitos. No caso da ditadura, é como se a luta contra a mesma não tivesse terminado. Ela se estendeu até aqui, convertida em luta ideológica e conceitual. Ótimo. Se não faltaram brasileiros para lutar contra a ditadura militar, quando fazê-lo implicava não apenas em renunciar a qualquer estabilidade financeira ou profissional, mas em grande risco da própria vida, e temos o exemplo da ultra-jovem Dilma Roussef, não é agora, que a democracia dá legitimidade e segurança aos atores políticos, que fugiremos ao bom combate. A Folha et caterva não perdem por esperar.

*

Em tempo, nosso combativo blogueiro Eduardo Guimarães, presidente do Movimento dos Sem Mídia, está organizando uma manifestação em frente ao jornal Folha de São Paulo, para protestar contra este lamentável episódio. Apóio integralmente a iniciativa e, se pudesse, estaria lá. E temos um abaixo-assinado rolando na internet.

Link da ilustração.

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E faço aqui uma breve reunião de textos sobre o tema:

No OI, temos dois, um do Luiz Antonio Magalhães, outro do Celso Lungaretti. Temos um ótimo do Maringoni, na Agência Carta Maior. Uma denúncia forte e corajosa do Idelber Avelar. E a cada momento, lemos textos melhores e mais fortes contra a covardia imperdoável da Folha.

21 de fevereiro de 2009

Entrem na comunidade Delenda Serra, ou assinem o blog

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Prezados, como vocês já sabem, estou preparando um livro reunindo artigos de blogueiros afins, sob o tema da guerrilha anti-midiática que fazemos. Toda guerra ou guerrilha tem um objetivo, que é a vitória. E qual seria a vitória para a mídia? Eleger José Serra em 2010. Então, para nós, blogueiros de esquerda, ou anti-midiáticos, ou seja lá o nome que nos queiram dar, brigamos pela derrota de Serra. Ter uma meta é fundamental para concentrar ações e pensá-las de forma mais estratégica.

No fundo, para mim não faria tanta diferença a vitória ou derrota de Serra em 2010. Sou escritor e blogueiro, e continuaria fazendo meu trabalho da mesma forma em ambas as situações. No entanto, tenho a presunção, para muitos um tanto anacrônica (eu mesmo, quando penso nisso, sempre questiono minha saúde mental), de querer influenciar os destinos da humanidade. Ou como se dizia em tempos outros, "mudar o mundo". Tenho razões para desconfiar que uma vitória de Serra seria um tremendo golpe nas esperanças de trabalhadores de todo planeta, na medida em que o Brasil é hoje um ator global importante, cuja atuação e exemplo influencia muitos outros países, começando por seus vizinhos latino-americanos.

Um blogueiro é um soldado liliputiano, que, juntamente com centenas, quiçá milhares de outros colegas, consegue derrubar gigantes. Até porque muitos gigantes, se observamo-los bem de perto, são apenas bonecos infláveis, sempre prestes a estourar - e por isso são cercados de tantos cuidados.

O título do livro ainda não está fechado. Havia pensado em Delenda Serra, mas muita gente não gostou e eu mesmo estou na dúvida. Talvez não seja boa idéia ser tão direto e, mais ainda, usar o nome do adversário no título. Pensei então em algo como Ponderações Contra-informativas, que é uma opção discreta, elegante, e ao mesmo tempo bem sugestiva.

Peço apenas a vocês que entrem na Comunidade Delenda Serra, onde estou reunindo as pessoas interessadas em adquirir o livro, revendê-lo, ou apenas curiosas sobre o trabalho. Acredito que a blogosfera brasileira alcançou um patamar que já pode arriscar alguns vôos mais altos, como criar redes próprias de distribuição. Este livro será um teste, o qual, mesmo que não seja um sucesso, servirá como exercício para outras ações. O que não podemos mais é permanecermos dependentes da distribuição controlada pela Abril e grupos afins, que exercem um monopólio absoluto no país. Este monopólio assume características ainda mais severas se pensarmos na dependência, por parte das editoras, de publicidade e matérias favoráveis nos grandes meios de comunicação de massa.

O comércio eletrônico no Brasil (e em todo mundo), por outro lado, vem crescendo num ritmo geométrico e, por isso, a blogosfera, como instância intelectual independente, tem a obrigação de assumir um papel relevante na distribuição de produtos de informação.

Centenas de pessoas já estão interessadas em adquirir o livro, em unidade ou pacotes. O lançamento do mesmo deverá acontecer em meados de março. O mesmo terá a colaboração de blogueiros como Eduardo Guimarães, Idelber Avelar, André Lux, Leonardo Bernardes, Helena Sthephanowitz, e quiçá outros que ainda não confirmaram. Além de muita coisa minha, é claro.

A editora será a Gonzum, que é minha mesmo. Irei fazer tudo dentro das regras editoriais convencionais, registrando na agência de direitos autorais e com número de ISBN. Procurarei oferecer o preço mais próximo do custo possível, já que o objetivo deste projeto não é auferir lucro, e sim divulgar idéias. Vamos ver no que vai dar e seja o que Deus quiser.

Por estas e outras razões, peço-lhes que participem da comunidade abaixo: http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=82883097

Caso não tenham Orkut, ou não queiram, por algum motivo, ingressar nesta comunidade, então assinem o blog (caso já não o tenham feito), digitando seu email no espaço abaixo, sem esquecer de responderem ao email de confirmação.

Assinem o blog

20 de fevereiro de 2009

A carantonha da Folha

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Está bem claro para mim que a Folha de São Paulo, ao publicar nota onde afirma que a ditadura brasileira não era das mais duras, e sim uma "ditabranda", cumpria uma missão, consciente ou não, de reescrever a história brasileira, com vistas a lançar fumaça sobre uma questão ideológica primordial. O fato é que a ditadura brasileira foi o efeito natural de um movimento organizado pelos representantes do conservadorismo no Brasil. Ou seja, pela direita, com o auxílio mais que luxuoso da imprensa.

Outro dia estava eu lá na Biblioteca Nacional, fuçando edições antigas do jornal O Globo. De repente, eis-me a sorrir. É que descobri um editorial, de meados de março de 1964, realmente muito engraçado. Pena que não posso reproduzi-lo aqui. O Globo faria uma contribuição importante à história brasileira se publicasse na internet as suas edições antigas. Pois bem, era um editorial furibundo. Lendo-o, podia visualizar a baba de raiva vazando da boca de quem o havia escrito. Um editorial anônimo, que são os piores. Acusavam uma instituição norte-americana de grossa calúnia, por ter incluído, numa prestigiada enciclopédia, um verbete sobre o jornal O Globo que dizia o seguinte: publicação de caráter conservador, financiada por instituições estadunidenses.

É de morrer de rir. O Globo afirmava que iria processar legalmente a instituição. Não sei a fonte que levou a universidade a incluir tal informação numa enciclopédia, mas certamente não se tratava de um absurdo inconcebível. Por mim, que tenho desconfiança e antipatia de quaisquer teorias conspiratórias, prefiro acreditar que se tratava de uma desinformação. Mas era totalmente plausível.

Nas semanas seguintes - ainda em março de 1964 - as páginas do Globo encher-se-ão de ameaças e conspirações sombrias sobre uma crescente onda comunista no Brasil. Todos os dias, na primeira página, havia notas conclamando as pessoas a comparecerem a atos contra o governo, em prol da família, da tradição e da propriedade.

Parlamentares conservadores eram entrevistados diariamente, e suas declarações apareciam com destaque. Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais, ainda em março, segundo o jornal, diz que aprova a tese do impeachment do presidente da república, proposta por um outro político. Motivo? Incitamento à subversão.

Assim a imprensa costura apoios, estabelece ligações entre chefes políticos, empresários, oficiais do exército e a legião de donas de casa, assustadas com a possibilidade de perderem seus apartamentos para os "comunistas".

De nada adiantavam os discursos apaziguadores de João Gourlat, assegurando que não haveria nenhuma mudança radical na ordem jurídica brasileira, e que as famigeradas reformas de base (sobretudo a agrária) não representariam nenhuma ruptura com o sistema democrático. Visavam, ao contrário, fortalecê-lo, ao abrir caminho para um desenvolvimento econômico mais sustentável.

Há gente que não considera tão relevante assim o papel da imprensa no golpe militar. Não percebem (até porque a mídia e setores da elite continuam tentando refazer a história) que, através da construção de um grande consenso anti-governista, e mais que isso, um sentimento de ódio contra João Gourlat, pintado como um usurpador, um ser nocivo à democracia, e não o seu representante máximo, o golpe foi legitimado junto à opinião pública. Essas pessoas possivelmente mudariam de idéia se lessem, por si mesmas, as edições daquele ano fatídico.

Num outro editorial, O Globo desdenha do apoio que Goulart recebe da União Nacional dos Estudantes, dos sindicatos, de diversas associações trabalhistas, afirmando que os verdadeiros representantes da sociedade brasileira são as associações cristãs de donas de casa et caterva.

A matéria recente da Folha, referindo-se à ditadura brasileira como "ditabranda" e a subsequente resposta agressiva que deu aos professores Fabio Comparato e Maria Benevides, porque eles manifestaram indignação contra este eufemismo anti-histórico e capcioso, mostra o quanto faz falta uma mea-culpa geral de importantes setores da imprensa brasileira, que apoiaram entusiasticamente o golpe militar, enriqueceram-se durante o mesmo, e até hoje ainda sentem pruridos totalitários, como que flashbacks, emergirem à tona de seus pensamentos.

Os efeitos da ditadura permanecem até hoje. A polícia brasileira é uma das mais violentas, brutais e cruéis do planeta. Meu tio, Francisco do Rosário Barbosa, um jovem não-político, roceiro, um poeta singelo e ingênuo, foi preso por motivo absolutamente fútil, e torturado até a morte, na nona DP do Catete, Rio de Janeiro, em 1981, finalzinho da ditadura, num tempo em que já havia ocorrido a abertura política. A sociedade conhece os casos mais famosos, como a morte de Vladimir Herzog, mas muitos historiadores contam que dezenas de milhares de lideranças rurais e urbanas foram mortas no Brasil, sem que disso houvesse notícia. Como sempre, os anônimos foram as maiores vítimas.

Não, não tivemos uma "ditabranda" e sim um regime totalitário assassino, perverso, torturador, que exilou grande parte da intelectualidade brasileira. A tentativa grotesca de reescrever a história, e a forma sutil com que procurou fazê-lo, desvelou a carantonha da Folha, e por consequência a de seus colegas, Globo e Estadão, irmanados na mesma cartilha paranoicamente anticomunista e antidemocrática pela qual rezavam nos anos 60.

O momento atual é bem diferente. A sociedade é livre para manifestar o seu repúdio, e existem tecnologias de comunicação que nos permitem reagir culturalmente de maneira mais efetiva que outrora. No fundo, o texto da Folha de São Paulo serviu para enfraquecê-la politicamente, mostrando-a como uma publicação que se torna mais e mais conservadora e reacionária, beirando o extremismo e a provocação. Pior para ela.


Link da imagem.

Ponderações sobre o desemprego

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(Atualizado às 13:18 - confira os gráficos do IBGE, ao final do post)

Os jornais hoje amanheceram "daquele jeito", embora eu desconfie que o prazer inicial em divulgar e ampliar a crise econômica já arrefeceu, sobretudo depois que observaram a queda violenta em suas carteiras de publicidade. Enfim, ontem foi divulgado o Caged de janeiro, o Cadastro Geral de Empregos, acompanhamento estatístico do Ministério do Trabalho, e os números apresentaram um balanço nada agradável. O saldo de emprego no mês ficou negativo em 101 mil empregos.

O que me incomodou, porém, foi a superficialidade com que o Globo deu a notícia, sem trazer nenhum histórico, nenhuma tabela, nenhum comparativo. Seria importante saber, por exemplo, que o número de empregos gerados em janeiro totalizou 1,21 milhão, o segundo maior da história, menor apenas que em janeiro de 2008.



Creio que este é um dado importante para contextualizar a notícia, porque mostra que, apesar da crise, há setores econômicos que continuam ampliando a oferta de empregos. O jornal O Globo confere enorme destaque (manchete de primeira página) ao fato da Embraer ter decidido demitir 4 mil trabalhadores. Bem, a tabela do Caged revela que as admissões com carteira assinada em janeiro último, conforme já informei, superaram 1 milhão de vagas, de maneira que aqueles 4 mil postos, embora seguramente importantes para cada família em si, representam apenas 0,33% dos postos gerados no mês. Tudo bem que falamos da Embraer, empresa estratégica para o país e a notícia, portanto, é relevante. Em termos de emprego, todavia, o número não representa um baque para a economia nacional, de maneira que talvez não merecesse uma manchete tão grande na capa.

Também não posso deixar de ressaltar que a crise atingiu horizontalmente todos os estados brasileiros. Não dá para culpar São Paulo ou Minas Gerais, que foram os que registraram maior número de demissões, porque eles igualmente se destacaram na quantidade de empregos gerados e, de qualquer forma, seus números permanecem dentro da média histórica. Isso não me impede, contudo, de criticar os governadores José Serra e Aécio Neves por não terem adotado, em tempo, nenhuma política anti-cíclica, para ajudar o país, como um todo, a manter o nível de emprego, nem procuraram, através dos meios de comunicação em massa, pressionar os grandes empresários de seus respectivos estados a não demitirem.

Outro ângulo importante com que se deve observar os números do Caged é o período acumulado em 12 meses (Fev08 a Jan09), onde o saldo de empregos ficou positivo em 1,20 milhão de empregos, contra 1,65 milhão de empregos no período anterior (Fev07 a Jan08). Comparando com qualquer ano do governo passado, o resultado de janeiro de 2009 continua muito superior. Em Fev00 a Jan01, por exemplo, o saldo de empregos ficou em apenas 675 mil, e em Fev99 a Jan00, o país registrou saldo negativo de 123,5 mil empregos! Não lembro de manchetes estrondosas na época...

Qualquer análise econômica que se preze nunca se pode prender exclusivamente a comparativos mensais. É uma obrigação do jornalista econômico, ou do economista, usar o período acumulado, evitando assim hiper-valorizar efeitos e mudanças sazonais ou temporários, que são normais em qualquer atividade e em qualquer país. É importante analisar os dados mensais, mas não se deve omitir a análise sobre os números acumulados.

Confira abaixo algumas tabelas organizadas e editadas por mim, com números do Caged, por estado. Clique sobre as imagens para ampliar. Observação: você pode montar a sua própria tabela do Caged, ou conferir as publicadas neste post, clicando aqui.









*

Fui lá no site do IBGE e recolhi os dados sobre o desemprego em janeiro, atualizados hoje. Confiram quatro pontos:

1) Os gráficos têm altos e baixos, demonstrando uma oscilação periódica normal, quiçá sazonal, ligada a fatores sazonais como declínio do preço de commodities, quebra de safra, realização ou não de grandes obras públicas, etc.
2) Em dezembro, o desemprego havia atingido o menor índice de toda a série histórica. Mesmo com a alta de janeiro, portanto, o desemprego permanece, historicamente, baixo, se comparado com anos anteriores.
3) O desemprego, historicamente, cresce no primeiro semestre, mas começando em dezembro, quando geralmente há grande número de demissões, e estendendo-se até junho ou julho quando tem início um movimento contrário, de queda no desemprego.
4) Em janeiro de 2008, o desemprego estava em 8%. Em janeiro deste ano, subiu para 8,2%. Ou seja, depois de 4 meses da "maior crise financeira mundial desde 1929", o desemprego no Brasil cresceu apenas 0,2%.

Você pode conferir os dados diretamente no site do IBGE, aqui.

Clique nas imagens para ampliar.







17 de fevereiro de 2009

Ancelmo Gois e seu emprego

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Ancelmo Gois é um cara que oscila entre o progressismo boêmio e um lacerdismo forçado. Isso porque dá para sentir que Gois é um cara "gente boa". Só falta a ele o mais importante: liberdade. Hoje ele publicou uma nota que me aborreceu profundamente.

A nota vem acompanhada de duas fotos da Lapa, junto aos Arcos. Na primeira foto, vemos várias barracas de camelôs vendendo salgado e bebidas, iluminadas, limpas, com pessoas circulando entre elas, tendo ao fundo os Arcos. Na segunda, tirada há cem anos, vemos os Arcos e, junto dele, dezenas de barracas de camelôs.

Até aí tudo bem. Qualquer ser humano racional concluiria que os ambulantes fazem parte da boemia lapiana desde priscas eras. Mas Gois escreve o seguinte: "Apesar dos cem anos de diferença, chama a atençao a presença de ambulantes, que levam caos ao bairro boêmio e angustiam comerciantes e autoridades."

Gois destila, nessa frase, um preconceito e uma estupidez indesculpáveis. Preconceito porque ele desconsidera que o vendedor ambulante seja também um "comerciante". Estupidez porque finge não entender que o "bairro boêmio" só é boêmio por causa de suas características, com a onipresença de ambulantes, que trazem luz, segurança e oferta de comes e bebes a preços populares.

A Lapa, senhor Ancelmo Gois, não é o Jobi, barzinho proto-fascista onde clientes comem dedos de outros por causa de suas opiniões políticas. A Lapa é um bairro de massas, onde todas as tribos se reúnem, a grande ágora carioca e quiçá brasileira. Com ambição de se tornar uma ágora mundial. Os ambulantes, todavia, são fundamentais, porque ocupam os espaços e trazem vida, alegria, luz e empregos para o bairro. Sem esquecer o principal: a liberdade. Talvez por isso o ambulante seja tão odiado pela classe média zona sul leitora de Globo, com sua mentalidade de empregado. O ambulante não é empregado de ninguém. Ele é pobre, ocupa um dos lugares mais baixos da hierarquia social, mas boa parte não gostaria de trocar seu trabalho por nenhum emprego em multinacional, porque eles desfrutam do maior bem: a liberdade.

Essa liberdade é sentida na Lapa. É uma energia que toma conta do bairro. Por isso, Gois, não seja estúpido. Não desrespeite o ambulante, que, como você viu, ocupa a Lapa há mais de cem anos. Matando o ambulante, vocês matarão a Lapa. Pode organizar, pode legalizar. A Associação de Ambulantes da Lapa está aí para isso. Eles querem organização e apoio do Estado. Querem pagar impostos, tudo certinho. Mas querem, sobretudo, respeito, tanto do Estado quanto da mídia. O que você fez, afirmando que eles "trazem o caos ao bairro boêmio" é uma imbecilidade indesculpável, porque ignora a formação histórica da Lapa, tanto antiga quanto recente, onde a presença dos ambulantes foi fundamental para a revitalização do bairro.

Entendo que Gois quer garantir seu emprego. Nada melhor para agradar seus patrões do que criticar camelô. Se tiver interesse, entretanto, em garantir o que ainda resta de seu prestígio junto a seus leitores, terá que rever sua visão sobre a Lapa e seus ambulantes.

Jarbas e o suicídio político

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(Aproveitando o embalo de um post recente, e para ampliar um pouco o foco de nossa atençaõ, aí vai mais uma obra-prima do Mestre)

A entrevista de Jarbas Vasconcelos à Veja é uma das maiores palhaçadas dos últimos anos. A começar, qual mesmo a revista de que estamos falando? Ã? A própria entrevista é uma desmoralização completa para Jarbas e só mesmo muita parcialidade (ia dizer parceria) midiática para não detonar a total incoerência de suas respostas. Perguntado pelo repórter a que atribuía a popularidade de quase 100% de Lula em Pernambuco, Jarbas, senador pelo mesmo estado, retrucou que tal se dava pelo bolsa família. Ora, o senador eliminou, numa tacada só, toda a intelectualidade, toda classe média, toda a classe artística, do valoroso estado de Pernambuco, numa ofensa generalizada, tão absurda que beira o infantil. Conheço vários pernambucanos, cultos, bem informados, éticos, inteligentes, espertos, talentosos e descolados, que apóiam o Lula e não recebem nem possuem nenhum familiar que recebe o Bolsa Família. São músicos, escritores, jornalistas, advogados, funcionários públicos, etc. Jarbas não respeita quem tem opinião diferente da sua, e isso é um grande erro político. Isso é arrogância, autoritarismo. Ou seria, não fosse, provavelmente, algo bem mais triste e comezinho: senilidade. Uma senilidade que talvez nem tenha a ver com a idade, mas sim com o cansaço, o egoísmo, a derrota ideológica.

Na verdade, a entrevista significa duas coisas: senilidade ou demência. Não é por outra razão que o PMDB se recusa a dar qualquer resposta mais enérgica. O clichê ético de Jarbas dá ânsia de vômito. A sua declaração de apoio a Serra, ao final da entrevista, dá bem mostras do sentimento de desamparo e desespero da direita nacional, e como ela acorre, cada vez mais apavorada, para o colo do governador de São Paulo.

Francamente, não perderei meu tempo com um fim-de-comédia como Jarbas Vasconcelos. Que ele vá, junto com Roberto Freire, engraxar os sapatos de Serra, para não dizer coisa pior.

Jarbas disse tudo que a mídia queria ouvir, o batido clichê contra as instituições políticas, pois a mídia está continuamente querendo desprestigiar a classe politica para se erigir como instância ética máxima da sociedade, o que lhe garantiria poder ilimitado de chantagem sobre autoridades públicas e empresários. Cometeu, porém, um grande erro. Exagerou no teatro. Esqueceu que ele mesmo também é um político. Já foi governador. Apóia Serra - governador de São Paulo - para presidência. Todos, ele inclusive são políticos e, portanto, vulneráveis às mesmas críticas.

O senador pelo PMDB rasgou as próprias roupas em praça pública, e abraçou uma bandeira decadente. Senil, Jarbas apega-se ansiosamente por uma ovação midiática um tanto superestimada do ponto-de-vista eleitoral. Consegue admiração dos velhos cãezinhos adestrados de sempre, mas perde o respeito de todos os seus pares, santos e demônios, da esquerda à direita. Afinal, qual o sentido de um senador lançar suspeitas genéricas sobre a própria instituição para a qual trabalha mas não apresentar nenhum tipo de denúncia formal, não apontar um nome, um documento, uma acusação específica. Como diz o povo, isso é coisa de moleque!

A gente está careca de saber sobre corrupção no Congresso, mas o que esperamos de nossos parlamentares são ações concretas de combate ao crime de colarinho branco, e não chorumelas midiáticas, de efeito altamente duvidoso, para não dizer contra-producente. Ao acusar o Senado, Jarbas lançou suspeitas sobre o Tribunal de Contas, sobre a Polícia Federal, sobre o Ministério Público, sobre o Judiciário, sobre tudo e todos, afinal a responsabilidade de investigar possíveis falcatruas no Senado cabe a diversas instituições de controle. Jarbas ofendeu milhares de funcionários que trabalham honestamente no Senado, assessores, secretárias, que tiveram a sua honra manchada apenas para Jarbas expor-se na mídia, como ético, por alguns dias.

Naturalmente que a mídia não irá fuçar a vida de Jarbas. Ele é da família. Não irão fuçar se aconteceram quaisquer irregularidades em seus tempos de governador. Não irão investigar como Jarbas surgiu, quem são seus aliados em Pernambuco, qual o seu histórico de votação. Jarbas tornou-se, automaticamente, numa instalação artística, cuja fala limita-se a meia dúzia de frases sobre ética, repetidas sem nenhuma preocupação de originalidade. Uma obra-de-arte engajada politicamente! Jarbas é uma obra engajada! Pela ética! Pela renovação nos costumes da classe política brasileira.

Consta que Quércia, o angelical e puro Quércia, também do PMDB, também apoiador fanático de Serra, telefonou para Jarbas cumprimentando-lhe pela entrevista. De fato, foi uma entrevista estupenda! Um senador fala mal do seu próprio partido. Não apenas chama seus próprios correligionários de corruptos como lhes faz um duro ataque ideológico e político.

A reação blasé do PMDB, ao menos num primeiro momento, antes que a mídia o obrigue a adotar uma atitude mais enérgica, revela, todavia, o "prestígio" de Jarbas junto à sua base. Tenho certeza, porém, que as rodas continuam girando. Jarbas agiu como um típico fariseu. Revelou a mais absoluta e brilhante hipocrisia. Espera-se que agora, ele vá se queimar no próprio fogo que acendeu. Qual mariposa enlouquecida, empolgou-se em demasia pela atraente e segura luz dos holofotes, e seu destino será arder e morrer antes que se dê conta. Vá com Deus, seu inútil.

16 de fevereiro de 2009

Rodrigo Vianna: Direto de Caracas!!!

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Pesquei essa no blog do Rodrigo Vianna

DIRETO DE CARACAS: A RUA É DOS CHAVISTAS;
OPOSIÇÃO SE REFUGIA NA MÍDIA
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009 às 11:52

Os fogos estouram no céu de Caracas.

O Conselho Nacional Eleitoral acaba de dar o primeiro boletim oficial na noite de domingo. Com mais de 94% das urnas apuradas, o resultado já é irreversível: vitória do "sim" no referendo, vitória incontestável de Chavez.

Quero ir pra rua, ver a reação popular, mas preciso antes entrar ao vivo na programação da Record News

http://mariafro.blogspot.com/2009/02/chavez-vence-e-so-record-news-da.html

Enquanto isso, ligo a TV no quarto do hotel em Caracas. Chavez já está na sacada do Miraflores, o Palácio presidencial: canta o Hino Nacional. Os fogos aumentam aqui em volta do hotel (e olhe que estou em área dominada pela oposição; mas devem haver, por aqui, uns chavistas "infiltrados" entre os "esquálidos" da classe média caraquenha).


Chavez vence: em 10 anos, foram 15 consultas populares

Chavez está emocionado. Ato simbólico: inicia o pronunciamento lendo uma mensagem de Fidel Castro, que felicita os venezuelanos pelo triunfo do sim".
Penso com meus botões: mas Fidel não era um "cadáver político", como noz fizeram crer durante os anos 90? Agora, Chavez, o vitorioso, faz questão de iniciar seu discurso com a mensagem de Fidel. Hum... Algo se moveu na América Latina.

A velocidade é impressionante: Evo aprova a Consituição na Bolívia, Correa avança no Equador, Lugo se firma no Paraguai, Lula atinge 84% de aprovação. Fora os Kirchner na Argentina, e o Uruguai (que já tem o socialista Tabaré no poder, e pode agora eleger Mujica, um ex-guerrilheiro tupamaro convertido ao jogo democrático).

Não dá tempo de pensar muito. Corro pra pegar o táxi, e sigo com o cinegrafista Wanderlei , em direção a Miraflores. As ruas estão tomadas. Uma enorme procissão de motoqueiros chavistas circula pelas ruas do centro, fazendo muito barulho. As pessoas também chegam de carro, mas a maioria veio a pé, ocupando as ruas em volta do Palácio. Não conseguimos seguir mais de táxi. A pé, também, tentamos nos aproximar de Miraflores.

A cena lembra um pouco 2002, quando a multidão tomou as ruas de Caracas, exigindo a volta de Chavez. O presidente havia sido deposto num golpe de Estado comandado pela oposição, com apoio forte da mídia privada venezuelana. Por isso, os chavistas não são muito fãs de equipes de TV: com razão, associam jornalistas com golpismo.

Muitos me param: "de que canal são?". "Brasil, Brasil", respondo rápido. A reação é sempre a mesma: "Brasil, Lula, amigo de Chavez, amigo da Venezuela". Sorrisos, eles querem pular na frente da câmera, dizer o que sentem por Chavez. E os venezuelanos adoram um discurso. Como falam. Sempre alto, empolgados, verborágicos, muito diferentes dos brasileiros.

Subimos na famosa ponte sobre a avenida Baralt. Em 2002, as TVs privadas mostraram cenas de atiradores postados nessa ponte, e numa montagem safada (desmascarada pelo belíssimo documentário "A Revolução Não Será Televisionada"; veja a primeira parte aqui http://www.youtube.com/watch?v=aQu8ic0WRXo) fizeram crer que os chavistas atiravam sobre a multidão de opositores que passava pela avenida. Foi a senha para dar o golpe!

Dessa vez, não há atiradores, nem golpismo. Há a multidão... O Palácio ainda está a 3 quadras. Avançamos mais um pouco, já é possivel ver as janelas de Miraflores. Mas, é impossível chegar até a sacada de onde Chavez segue discursando...

A multidão enlouquece. Um homem carrega o retrato de Simon Bolivar, com uma moldura dourada, parece arrancado da parede de algum museu. Mas a História aqui está viva, vivíssima.




"Não balance o carro, por favor!" A multidão enlouquece em Caracas

O dono de uma van nos autoriza a subir na capota do carro, para gravar mais algumas cenas. O povo se aglomera em volta do carro: "Brasileiros, povo irmão", eles gritam, balançando perigosamente o veículo. "Sim, sim, povo irmão, mas não balance assim se nao a gente cai daqui de cima, meu amigo", penso eu, enquanto dou um sorriso meio sem graça para os simpáticos venezuelanos, já embalados por algumas doses a mais de uma bebida amarela , que não consigo distinguir dentro daquelas garrafas de plástico.

A festa avança pela madrugada. A rua é dos chavistas.

A oposição se refugia na mídia. Agora pela manhã (acordo cedo, para mais entradas ao vivo na Record), o que sobrou da RCTV (uma das emissoras golpistas de 2002) se transforma num palanque. Um sujeito de paletó grita palavras contra Chavez no estúdio, falando na necessidade de defender a honra da pátria. Imagino que seja um líder da oposição. Não! É um jornalista. A imprensa aqui, como no Brasil, é quem lidera a oposição.

Um fato, no entanto, merece ser apontado. O "não" perdeu, mas obteve 45% dos votos. É um patrimônio e tanto. Falta à oposição um nome que consiga unificar tantos setores dispersos, para enfrentar Chavez. Mas a oposição, ao que paece, não tem mais porque se aventurar em golpismo. Ganhou musculatura para fazer o jogo democrático. Sorte da Venezuela.

+ Delenda Serra

2 comentarios

Entre na comunidade Delenda Serra.

Estamos nos preparativos para o lançamento, em rede nacional, do livro Delenda Serra, contendo artigos, crônicas e textos que, visam, de uma maneira ou outra, denunciar a pequenez política de nossa mídia e seu partido de estimação, o PSDB.

Quando Lula declarou aos prefeitos, recentemente, que se elegeu sem apoio da imprensa, ele indicou um diferencial importante de seus votos e de sua popularidade. Se quiser eleger a sucessora, Dilma Roussef, não haverá outra saída senão manter a estratégia, já vencedora por duas vezes.

Não tenho nenhum pretensão megalomaníaca com esse livro. Nem ele trará nenhuma revelação espetacular, nem visa "destruir" o PSDB ou José Serra. É um livro de crônicas políticas. De boas e bem escritas crônicas políticas, um material que pode agradar e ser útil a gregos e troianos, que, espero eu, tenha um valor literário genuino, nem que seja apenas (Deus queira que não) acadêmico e científico.

A comercialização será inteiramente concentrada na blogosfera e na comunidade Delenda Serra. Os participantes da comunidade poderão revender em seus estados e cidades e grupos de amigos e auferir os lucros, se os houver, para si mesmos. Afinal, sentar o pau no Serra e ainda ganhar dinheiro, não tem preço! Mas o objetivo do livro, naturalmente, é fazer um alerta à sociedade para os riscos, não só para o Brasil, mas para toda a América Latina e, porque não, para o mundo inteiro, de entregar o Estado àqueles que não possuem patriotismo.

"Quem luta por Deus, é por si mesmo que luta!", é uma bela frase do Alcorão, uma das raríssimas que gostei neste livro, que expressa filosoficamente a ambiguidade fundamental e necessária da política, o que é um pensamento continuamente escamoteado da consciência social. A leitura dos artigos de Casullo foi importante para mim porque, na verdade, ele deu um formato acadêmico e conceitual a idéias que ainda ardem informes nos incêndios ideológicos que explodem em nossa blogosfera.

Por isso eu defendo: andem mais de bicicleta. É o que farei agora.

Da série: Os melhores poemas da língua portuguesa

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(por falar em poema, escute este belíssimo texto de Bob Dylan, interpretado pelo Mestre. Estude a letra da canção)

Os dois poemas abaixo são os melhores já escritos em língua portuguesa, ou pelo menos é o que penso nesse momento. Ambos são de João Cabral de Melo Neto. Um é o Cão sem Plumas. O outro transcrevo abaixo:

Psicologia da composição

João Cabral de Melo Neto

1.
Saio de meu poema
como quem lava as mãos.

Algumas conchas tornaram-se,
que o sol da atenção
cristalizou; alguma palavra
que desabrochei, como a um pássaro.

Talvez alguma concha
dessas (ou pássaro) lembre,
côncava, o corpo do gesto
extinto que o ar já preencheu;

talvez, como a camisa
vazia, que despi.

2.
Esta folha branca
me proscreve o sonho,
me incita ao verso
nítido e preciso.

Eu me refugio
nesta praia pura
onde nada existe
em que a noite pouse.

Como não há noite
cessa toda fonte;
como não há fonte
cessa toda fuga;

como não há fuga
nada lembra o fluir
de meu tempo, ao vento
que nele sopra o tempo.

3.
Neste papel
pode teu sal
virar cinza;

pode o limão
virar pedra;
o sol da pele,
o trigo do corpo
virar cinza.

(Teme, por isso,
a jovem manhã
sobre as flores
da véspera.)

Neste papel
logo fenecem
as roxas, mornas
flores morais;
todas as fluidas
flores da pressa;
todas as úmidas
flores do sonho.

(Espera, por isso,
que a jovem manhã
te venha revelar
as flores da véspera.)

4.
O poema, com seus cavalos,
quer explodir
teu tempo claro; rompendo
seu branco fio, seu cimento
mudo e fresco.

(O descuido ficara aberto
de par em par;
um sonho passou, deixando
fiapos, logo árvores instantâneas
coagulando a preguiça.)

5.
Vivo com certas palavras,
abelhas domésticas.

Do dia aberto
(branco guarda-sol)
esses lúcidos fusos retiram
o fio de mel
(do dia que abriu
também como flor)

que na noite
(poço onde vai tombar
a aérea flor)
persistirá: louro
sabor, e ácido
contra o açúcar do podre.

6.
Não a forma encontrada
como uma concha, perdida
nos frouxos areais
como cabelos;

não a forma obtida
em lance santo ou raro,
tiro nas lebres de vidro
do invisível;

mas a forma atingida
como a ponta do novelo
que a atenção, lenta,
desenrola,

aranha; como o mais extremo
desse fio frágil, que se rompe
ao peso, sempre, das mãos
enormes.

7.
É mineral o papel
onde escrever
o verso; o verso
que é possível não fazer.

São minerais
as flores e as plantas,
as frutas, os bichos
quando em estado de palavra.

É mineral
a linha do horizonte,
nossos nomes, essas coisas
feitas de palavras.

É mineral, por fim,
qualquer livro:
que é mineral a palavra
escrita, a fria natureza

da palavra escrita.

8.
Cultivar o deserto
como um pomar às avessas.

(A árvore destila
a terra, gota a gota;
a terra completa
caiu, fruto!

Enquanto na ordem
de outro pomar
a atenção destila
palavras maduras.)

Cultivar o deserto
como um pomar às avessas:

então, nada mais
destila; evapora;
onde foi maçã
resta uma fome;

onde foi palavra
(potros ou touros
contidos) resta a severa
forma do vazio.

Fonte: Melo Neto, J. C. 1994. Obra completa: volume único. RJ, Nova Aguilar. Poema originalmente publicado em 1947. O autor dedica o poema a Antonio Rangel Bandeira, e a parte 2 a Lêdo Ivo.


*

Outro artigo importante de Nicolás Casullo

Seja o primeiro a comentar!

Pronto. Taí outro texto importante de Nicolás Casullo, traduzido daqui. Conheci Casullo pelo blog do Idelber. É um texto um pouco mais difícil que o primeiro (post anterior), porque vem carregado de elipses, ironias e referências locais argentinas. Mesmo assim, traz conceitos extremamente interessantes, originais e percucientes em relação a despolitização do debate ideológico, o qual, discriminado na política, penetra e domina insidiosamente a cultura de massa. A alquimia midiática converte partidos, sindicatos, associações, em grupos de indivíduos não-individualizados, dos quais devemos manter distância se quisermos continuarmos "íntegros", "puros" e "autênticos" como indivíduos. Elogia-se escancaradamente o indivíduo sem partido, sem opções ideológicas, pronto a ser moldado às vésperas de eleições ou em circunstâncias especiais. Uma sociedade a-política que, no entanto, ativa-se em agente política furiosa sempre que a mídia aperta um botão. Lembrei das legiões de jovens despolitizados, que subitamente invadem as ruas para derrubar Collor, protestar contra Renan Calheiros ou votar em Fernando Gabeira. A massa que tentaram levantar contra Lula, mas, por razões que discutimos em outros momentos, não conseguiram.

Leiam o texto. Ainda vamos comentar muito o seu conteúdo. Pensando na morte preococe de Casullo, sinto, pressinto - até um pouco emocionado - a imortalidade das idéias. Lembro inclusive do belíssimo filme Ao sul do meu corpo, do Saraceni, onde o pai descobre que teve um filho e que o mesmo já morreu, aos 22 anos, torturado numa delegacia, durante ditadura. Ao ser interpelado pelo amigo que escondeu dele a informação e que lhe pedia para esquecer uma pessoa que nunca havia conhecido, o pai responde que não, que nunca esqueceria o seu filho, que iria atrás de sua história e porque fora preso, torturado e morto pelo regime militar. E que lutaria, então, durante o resto de sua vida, pelos ideais de seu filho.

Ainda estou enferrujado no ofício de tradutor que, todavia, muito me agrada. Encontrando algum erro, mesmo o mais superficial, por favor me avisem nos comentários.


Comecemos a discutir a direita

Por Nicolás Casullo

Direita. Herança dos assembleístas de 1789 em Paris. Conceito com o qual poucos se identificam hoje. Definição que perdeu os ares ideológicos. Onde começar a buscar a direita? Na oposição ao governo? Por certo. Na luta interna do justicialismo? Sem dúvida. Como a repensar em suas formas atuais? A partir do bloqueio agrícola se volta a discutir agora o tema da direita política e ideológica, frente a “nova nação agrária como reserva moral da pátria”, segundo certas mídias golpistas, que evocam anteriores “reservas morais da pátria”.

Dilema enredado e a examinar, quando a direita não pretende ser, hoje na Argentina, e em outros países, um partido segundo os moldes tradicionais, ou qualquer outro traje que a delate. Tampouco há uma programática que apareça “contra alguém em especial”. Antes é uma espécie de comportamento generalizado, a que se acrescenta a desintegração de “anacronismos” baseados nas vetustas idéias de “conflito” político, de “interesses opostos enfrentados”, de “luta social”. A direita é, desde há tempos, ativa: moderninha. É uma permanente operação cultural para influenciar e transformar a cidadania, como começa a ficar evidente em nosso caso, com apoio de importantes setores urbanos “ao campo”.

A direita no Ocidente constitui um conjunto de forças modernizante desde uma opinião pública midiática expandida diariamente. Configura o reacomodamento de um capitalismo tardio, caminho até outro estado de massas, incluídos amplos segmentos progressistas conservadorizados. Operatória que defende o fim das ideologias, o fim das disputas de classe, o fim das direitas e das esquerdas, precisamente como premissas dissolventes de todo sentido de consciência sobre o que realmente sucede com a história onde se pisa. Não por acaso, cresce desde que o domínio econômico teve que endurecer e dividir o planeta, desde os anos 80, entre perdedores e ganhadores líquidos.

A mídia é hoje a sua grande operadora: o espírito de época encarnado, diria Hegel. Direita como Sociedade Cultural que nos conta o itinerário dos processos. Que oferece os referentes e as figuras, e decide como enquadrar o que se deve ver e o que não se deve ver. A direita, desde esta operação cultural, é a dissolvência de lugares e memórias. É um relato estrábico, como política despolitizadora a golpes de primeiros planos e manchetes de jornal.

Um bom exemplo disso poderia ser Eduardo Buzzi, representante da Federação Agrária, que reúne, em seu discurso, todos os signos da desintegração do ideológico. Da fragmentação do que antecede uma história, e também do que a projetaria para diante. Se situa em uma zona propícia de um discurso pós-político, magmático. Em um não lugar, que em realidade é “o lugar” propício. Tudo se torna equivalente, dizível, posicionante. Ex militante do PC, membro da CTA, ele trouxe, contudo, com sua voz, a argamassa política chave em sua aliança com Miguens Y Lambias, para situar a oligarquia agrária no pico de suas aspirações, como nunca nos últimos 50 anos, de se tornarem um conglomerado de poder.

Por sua vez – paralelamente aos panelaços antipopulares do Bairro Norte, pedindo a queda do governo – Buzzi chegou a solicitar nada menos que a re-estatização da YPF, ajoelhou-se devoto frente à virgem campestre da nova “pátria agrária”, e demandou, junto às estradas bloqueadas, que imitássemos o que fez Evo Morales na Bolívia, o líder indígena combatido pela agrária Santa Cruz de La Sierra, sócia ideológica de nosso campo em revolta, repetindo slogans “por um outro ordenamento” que respeite os lucros.

Um vaudeville sob uma lógica ideológica que precisamente costuma alcançar o que se propõe: transmitir “uma realidade nacional” em capítulos, indiferenciada, incorporada numa experiência circense onde “tudo é possível de se dar”. Onde nada é definido nem reconhecível, nem dá conta de nenhum sentido maior. Um esquema de situações a compor e recompor sob uma matriz teleteatral, cujo objetivo é construir protagonistas esporádicos (como presenças “legalizadas pela câmera”) de corte contrainstitucional e antiinstitucional. Pulverizar desde a telinha – entre comédia e comício – toda possibilidade de “qualidade institucional”, de representação institucional dada, a partir de interesses afetados na aliança com suas primas, as mídias de massa.

O mundo em estado de direita

Há três décadas, e sob o forte impulso com que se expandiu a estratégia da revolução conservadora, o francês Pierre Dommergues fez o seguinte questionamento: “Os neoconservadores se propõem uma revoluçaõ cultural que destrone o atual regime de partidos e deixe para trás os referentes sociais da esquerda democrática. A luta se dará no campo cultural e dos mass media, para um tempo de reordenamento de mercado, onde desapareçam as variáveis de esquerda e direita como paradigmas de orientação social, após limitar às demandas democráticas e aos Estados, o corte social. É oferecido, em substituição, um conservadorismo liberal e um modernismo liberal, que além de suas divergências coincidam na vontade de impor uma nova repartição da riqueza, disciplinar a mão-de-obra, desqualificar toda política que resista a esse disciplinamento e estabelecer uma nova forma de consenso. É uma ampla operação de re-estruturação cultural da governabilidade, para levar a sociedade em seu conjunto para a direita, através de um Partido da Ordem Democrática. É uma nova sociedade da informação, para um novo tempo moral”.

Sem dúvida, estamos discutindo a esmagadora vitória desta profunda estratégia cultural, que há três décadas foi estudada para entender não apenas o que seria esta sociedade conservadora, mas também, sobretudo, como essa batalha no plano das interpretações – a partir da direita política dos EUA e por todo planeta – significava tornar invisível o próprio processo resimbolizador para uma nova idade do sistema.

A revolução conservadora significou a permanente constituição de um novo sentido comum, a partir de uma inédita capacidade tecnoinformativa para gerar estados de massas. Um fenômeno crescente e à vista de todos, que em 1989 levou o socialista Norberto Nobbio afirmar: “Na medida que as decisões resultam cada vez mais de ordem técnico midiáticas e cada vez menos políticas, não é contraditório pedir cada vez mais democracia, em uma socidade mais e mais tecnificada e privatizada em suas enunciações?”

Não estamos, portanto, frente a uma conspiração imperialista. Nem frente a um plano da CIA. Assistimos sim a uma idade civilizatória de êxito tecno-cultural dos poderes – das direitas – sobre os desejos de uma histórica esquerda que havia predominado como consciência majoritária de massas para a idade “do progresso social e dos povos” enre 1945 e 1980. Discutir a direita em nosso país é, portanto, debater, em princípio, nem um partido nem uma figura. É investigar uma cultura que se foi desenvolvendo, supostamente, “fora da política”: no aspecto indistinguível das posições. Uma cultura comum e bruta, que rapidamente se ativam politicamente quando as circunstâncias dos domínios sociais crêem necessário. Pode ser com uma nova lei contra imigrantes na União Européia. Ou com súbito desaparecimento de suspeitos de terrorismo em qualquer parte dos EUA. Ou com os milhões de sem trabalho, sem papéis, sem escolaridade, que registram como abstratos “cidadãos votantes” e resistem às falsas mesas de “consenso”. Sujeitos que precisariam de uma “salvação moral” a cargo das classes altas que os resgatem de serem abatidos como gado. Cultura de direita, que hospeda políticas de direita.

A genética do mercado

Começar a explorar a direita não é, em princípio, fixar demasiada atenção em Carrió, Macri, Reutemann, López Murphy ou Scioli. Trata-se, preferentemente, de visitar, antes, as maternidades da criatura: nosso diálogo cotidiano e familiar com o mundo de seus obstetras. Ativar o audiovisual hegemônico e de maior audiência. Que nos conta essa criatura? Vejamos.

A história: será sempre, sobretudo, a descoberta individual. O caso. Os antípodas das massas como história. A pobreza: uma latente ameaça delitiva, uma paisagem de miséria inalterável como tipologia do “mau” na cidade. A cultura distancia o espectador. A fome: algo que já não teria ideologia nem biografia social, um ícone solto num frasco para qualquer retórica política.

O policial: o que deveria incorporar-se idealmente, como ortopedia, ao núcleo familiar protegido. Um policial sempre a meu lado. O Estado regulador, interventor, cobrador: um espaço ineficiente (ilegitimado), que “gasta o meu dinheiro”, e corrupto (por ser político). A política: um descrédito em mãos de preguiçoso que podia tanto existir como não existir. A nota policial: o amedrontamento e o protesto por segurança passa a ser o verdadeiro estado social da velha política a cancelar. O que escapa da “Lei e Concórdia” do mercado. O comunitário: uma utopia solitária entre eu, o negócio e “meu bolso” (tenha 100 pesos ou mil hectares de terra). O nacional: um espaço a-histórico, sempre no limite do caos e que só cria vítimas. Com habitantes nunca representados por ninguém, somente pelo foco da câmera, e onde a única notícia é que a política já falhou, para sempre, antes de começar. A nova comunidade pós-solidária é agora uma sociedade com uma arquitetura de serviços que “devem me servir” com a eficiência modelo de um seleto agente privado. Já não sou parte de uma memória do público, dos hospitais sociais e universidades políticas hoje em crise, mas me transformei num cliente exigente do outro lado do balcão. A liberdade: uma simples passagem de “livre consumidor” para um “votante livre” sem identidade, elogiado por não ter partido, moldado diferentemente a cada eleição, a ponto de comprar algo “genuinamente”entrando nas vitrines do quarto escuro. A gente: um “eu” sublimado, absolvido enquanto construção narrativa. Uma unidade pessoal “autêntica”, que representa muitos, enquanto esses muitos não se constituam em outro tipo de “eu” (como sujeito político identificado), e permaneçam como infinita classe média de “empregados” do capitalismo, em uma competitiva e ansiada igualdade de explorados. O sindical, o popular, os desocupados: uma realidade indiscernível de homens-grupo. Algo do qual devo manter distância da minha vida, e que o Estado “não deve atender”. Seres organizados para algo que nunca se sabe. Imagem mítica nas telinhas, com paus e cajados. Não brancos, perigosos em grupo, dirigidos por vagos, destacados, chefes de barricadas ou líderes pagos. Um outro cultural e existencial que, como nunca, na Argentina da plenitude informativa e formativa, alcançou quase o apogeu de uma luta cultural de classes do gorila sobre o peronista, como um racismo não dissimulado sobre o popular, sindical e piquetero: universo da negatividade política, do voto subnormal, o voto “comprado”.

Sobre este tabuleiro midiático hegemônico, a nova direita, hoje como semente de uma república agroconservadora, joga sempre localmente. O trabalho do sentido comum, de ver o mundo, já lhe vem dado. E desde aí aspira agora a converter-se numa coalização social histórica, desde seus núcleos de neorrentistas, novos arrendatários e bisonhos investidores-especuladores que ampliam sem dúvida o campo cultural de sua cidadania.

Tradução: Miguel do Rosário

Leia este outro artigo de Casullo traduzido por mim.