8 de fevereiro de 2009

Keynes já conhecia o PIG

(Foto de Andreas Horvath)



Confesso que no começo não vi graça em chamar a mídia corporativa de Partido da Imprensa Golpista. Quer dizer, achei engraçado, mas não me sentia à vontade em usar o termo. Hoje me acostumei. Não estamos numa democracia? Não podemos falar o que quisermos? É politicamente incorreto chamar o PIG de PIG? Mas não vim aqui para falar da justeza ou não de se chamar o PIG de PIG e sim para discutir um assunto importante. Ontem estudei um livro de John Maynard Keynes, o economista que convenceu Roosevelt a adotar o New Deal, plano que tirou os EUA de uma terrível crise social e econômica. Keynes acreditava no pleno emprego como política de governo. Não era nenhum socialista. Ao contrário, acreditava no capitalismo, mas não como um regime selvagem onde vigorasse a lei do mais forte. Pensava que o "laissez-faire" partia de premissas falsas e conduzia a situações de extrema instabilidade que minavam as bases do regime capitalista e produziam severos danos financeiros e sociais. O pensamento keynesiano é típico do período pós crash da bolsa de Nova York. A recessão vivida pelos EUA forçou economistas e políticos e repensarem as bases do liberalismo, o velho liberalismo de sempre, agora chamado "neo".

Keynes e Roosevelt enfrentaram uma oposição terrível, por parte da poderosa direita americana. Eram acusados de socialismo pela imprensa e pelos empresários. Com exceção da combativa imprensa proletária, bastante presente na época, poucos tinham culhões de defender Roosevelt na mídia. Os raros jornalistas independentes que defendiam Roosevelt, portanto-todavia, adquiriram enorme popularidade. Porque Roosevelt foi um dos estadistas mais populares do século XX. Presidente dos Estados Unidos por quatro vezes seguida, num tempo em que não havia limites à reeleição, nada foi fácil para Roosevelt. Sua decisão de intervir na II Guerra Mundial em favor dos aliados, contra Hitler, também foi alvo de forte oposição por parte de conservadores, entre os quais havia notórios simpatizantes da causa nazista, como Charles Lindbergh, o famoso aviador, o primeiro homem a cruzar, sem escalas, o Oceano Atlântico.

Keynes, enfim, convence Roosevelt da necessidade de empreender políticas que gerem grande quantidade de emprego, para ativar a economia americana. As medidas dão excelente resultado e o país sai de um recessão terrível e consolida-se, definitivamente, como a maior potência econômica do planeta. O que eu gostaria de ressaltar é que, lendo o livro, topei com um trecho que me chamou a atenção pela referência que faz à vulnerabilidade das economias modernas a "um ambiente político e social que agrade ao tipo médio do homem de negócios". O trecho me remeteu o tempo todo à situação atual brasileira. Anotei o trecho e publico aqui, para que possamos agregar mais elementos a nossos debates. Talvez seja só impressão minha, mas acho que Keynes referia-se especificamente ao PIG norte-americano, e que, por trás de toda aquela elegância acadêmica, ele queria mandar o PIG pastar num lugar bem quentinho e mau-cheiroso.

Além da causa devida à especulação, a instabilidade econômica encontra outra causa, esta inerente à natureza humana, no fato de que grande parte das nossas atividades positivas depende mais do otimismo espontâneo que de uma previsão matemática. Talvez a maior parte de nossas decisões de fazer algo positivo, cujo efeito completo necessita de certo prazo para se produzir, devam ser consideradas como manifestação de nosso entusiasmo - como um impulso instintivo de agir, mais do que de nada fazer, e não como resultado de uma média ponderada de lucros quantitativos multiplicados pelas probabilidades quantitativas. O empreendimento a si próprio se convence de que o principal motor de sua atividade reside nas afirmações de seu programa, por muito ingênuas e sinceras que elas possam ser. Baseia-se no cálculo exato dos lucros futuros apenas um pouco mais que uma expedição ao pólo sul. De modo que se o entusiasmo esfria e o otimismo natural vacila, deixando como única base de apoio a previsão matemática, o empreendimento desfalece e morre - embora o temor de perder seja tão desprovido de lógica como o eram antes as esperanças de ganhar.

Pode-se afirmar sem receio que a empresa dependente das esperanças que olham o futuro beneficia a comunidade inteira; porém a iniciativa individual somente será adequada quando for secundada e sustentada pela energia animal, de tal maneira que a idéia dos prejuízos, que frequentamente desanima os pioneiros, como a experiência nos prova e a eles, é repelida do mesmo modo que o homem cheio de saúde repele a sua probabilidade de morte. Significa isto, infelizmente, que não só as crises e as depressões têm a sua intensidade agravada, como também que a prosperidade econômica depende excessivamente de um ambiente político e social que agrade ao tipo médio do homem de negócios.

Quando o receio de um governo trabalhista ou de um New Deal deprime a empresa, esta situação não é forçosamente consequência de previsões racionais ou de manobras com finalidades políticas; é simples resultado de uma perturbação no delicado equilíbrio do otimismo espontâneo. Quando calculamos as perspectivas que se oferecem ao investimento devemos levar em conta os nervos e a histeria, além das digestões e reações ao estado do tempo das pessoas de quem ele principalmente depende.

Não devemos concluir daqui que tudo depende de marés de psicologia irracional. Pelo contrário, o estado de previsão a longo prazo é frequentemente estável, e quando mesmo o não seja, os outros fatores tendem a compensar-se. O que apenas desejamos lembrar é que as decisões humanas que envolvem o futuro, sejam pessoais, políticas ou econômicas, não podem depender da estrita previsão matemática, uma vez que as bases para realizar semelhante cálculo não existem, e que a nossa inclinação inata para a atividade é que faz andar as coisas, escolhendo a nossa inteligência o melhor que pode entre as diversas alternativas, calculando sempre que há oportunidade, mas encontrando-se muitas vezes desarmada diante do capricho, o sentimentalismo ou o azar.

John Maynard Keynes, em Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro
Ed.Fundo de Cultura, Portugal
Capítulo: As previsões de longo prazo, Parte VII



Link da foto.

6 comentarios

carlos disse...

caro do rosário,

a lembrança de keynes e sua atuação no "new deal" americano faz um bem danado. embora num período histórico passado nos ajuda na reflexão sobre o pig que não respeita fronteiras, né não?

agora, mudando de assunto, fiquei de orelha em pé com um anúncio em seu blog. falo de um tal "tempo final-o apocalipse-a revelação dos últimos dias".

me deu calafrios as sandices do texto, coisa de fanático religioso misturado com auto-ajuda. a típica diarréia mental pra faturar uns trocados com os abestados da fé.

sei não, me parece que não tem nada a ver com o blog. um horror.

abçs

Anônimo disse...

Prezado Miguel,
Legal essa "pitadinha" de Keynes. Pra mim, então, que sou um zero à esquerda em economia, sempre é bom.
Mas, pra não perder o costume, uma breve discordância a respeito de sua fala inicial.
Estamos numa Democracia. E justamente por isso, NÃO podemos falar o que quisermos. Pelo menos no sentido de ter "acolhida social", de ter "amparo na lei" NÃO podemos falar, e muito menos agir, simplesmente como quisermos.
No Estado de Direito os nosses desejos e mesmo nossas potencialidades ( no sentido de capacidade de...)são sempre restringidas em favor da convivencia pacifica e harmoniosa.
Há regras a serem respeitadas. Há limites! Em alguns casos a quebra dessas regras e limites acarretam sanções graves.
Não estou, com isso, me referindo especificamente ao uso da expressão PIG. Falo no sentido mais amplo de sua afirmação.
Espero que tenha sido apenas uma má-colocação, um reforço de argumentação desnecessário, e que poderia até mesmo ser suprimido do texto, sem qualquer prejuizo.

Miguel do Rosário disse...

emanuel, é força de expressão.

Anônimo disse...

1. Da crise econômica. Causas e fatores, em que o otimismo espontâneo do agente econômico e a sua energia intuitiva e animal são mais importantes e decisivos do que a previsão matemática das planilhas ou a consideração isolada dos números transitórios – segundo Keynes.

2. Da ampliação dos efeitos por perversidade dos que, na mídia, usam números para promover a perturbação no delicado equilíbrio do otimismo espontâneo, visando matar a esperança e inibir a energia animal dos empresários brasileiros – segundo Miguel do Rosário.

3. O PIG está abusando de previsões irracionais em articulação com as manobras políticas do PSDB/DEM, visando unicamente esfriar o entusiasmo dos empresários com relação ao otimismo do governo e da sociedade brasileira que o apóia massivamente - segundo CNT/Sensus.

José Carlos Lima disse...

Os leitores de O Globo são bem...nem sei como definir...
( )adestrados.
Vi isso hoje, ao inteferir na caixa caixa de comentários para debater um assunto que me interessou
Salvei tudo e joguei nos meus blogs

Patrick disse...

Estou lendo Doutrina de Choque, de Naomi Klein, e ela comenta em um trecho, desse ódio que Milton Friedman e seus seguidores devotam a Roosevelt.

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